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VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI Nº 87, DE 2016

Diário Oficial do Estado de São Paulo – Seção 1

Volume 128 • Número 13 • São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI Nº 87, DE 2016

São Paulo, 18 de janeiro de 2018

A-nº 32/2018

Senhor Presidente

Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, para os devidos fins, nos termos do artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso IV, da Constituição do Estado, as razões de veto total ao Projeto de lei nº 87, de 2016, aprovado por essa nobre Assembleia, conforme Autógrafo nº 32.165.

De origem parlamentar, a propositura institui a “Segunda sem Carne” em restaurantes, lanchonetes, bares, escolas, refeitórios e estabelecimentos similares que exerçam suas atividades nos órgãos públicos do Estado, proibindo o fornecimento de carnes e seus derivados às segundas-feiras, ainda que gratuitamente. A proposição determina que referidos estabelecimentos fixem em local visível ao consumidor um cardápio alternativo sem carne e seus derivados e excepciona hospitais e demais unidades de saúde pública (§§ 1º e 2º do artigo 2º).

O projeto fixa multa de 300 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs, dobrando-se o valor para cada reincidência, pelo descumprimento de suas determinações, determina ao Poder Executivo a realização de campanha educativa e a regulamentação da lei, bem como prevê que as despesas correrão à conta de dotações orçamentárias próprias (artigos 3º a 6º).

Embora reconheça os elevados desígnios do legislador, vejo- -me compelido a vetar, totalmente, a propositura, em razão dos vícios de inconstitucionalidade que contém.

Como reiteradamente sustentado em vetos a projetos análogos, o implemento de política no âmbito administrativo, com atribuição de encargos a Secretarias de Estado e outros órgãos, configura questão ligada ao exercício de função constitucionalmente deferida ao Poder Executivo e sua instituição por via legislativa, oriunda de proposta parlamentar, não guarda a necessária concordância com os mandamentos decorrentes do princípio da separação dos Poderes consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e no artigo 5º da Constituição do Estado.

A decisão sobre adotar, e em que momento, medidas dessa espécie cabe ao Poder Executivo, como corolário do exercício da competência privativa que lhe é outorgada pela ordem constitucional para dirigir a Administração (artigo 84, incisos II e VI, alínea “a”, da Constituição Federal e artigo 47, incisos II e XIV, da Constituição Estadual).

Provindos do postulado básico que norteia a divisão funcional do Poder, tais preceitos acham-se refletidos no artigo 47, incisos II, XIV e XIX, da Constituição Estadual, que afirma a competência privativa do Governador para dispor sobre matéria de cunho administrativo e exercer a direção superior da administração estadual, praticar os demais atos de administração e dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração estadual, a quem ainda pertence, com exclusividade, a iniciativa da lei, quando necessária.

Esta orientação vem sendo reiteradamente adotada pelo Supremo Tribunal Federal, da qual configuram exemplos os acórdãos proferidos nas ADIs nº 1.144 e nº 2.646.

Sob tal perspectiva, a propositura é inconstitucional por violar o princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 2° da Constituição Federal e no artigo 5° da Constituição Estadual.

E, constatado o vício que macula o projeto em sua essência, todos os demais dispositivos, em face da sua dependência, restam igualmente contaminados, não podendo subsistir de forma autônoma.

Com efeito, já é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, o entendimento no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma afeta o sistema normativo dela dependente, e se estende a normas subsequentes, em razão do fenômeno da inconstitucionalidade por arrastamento (ADIs nº 173, nº 1.144, nº 2.895, nº 3.255 e nº 4.009).

Paralelamente, relevante pontuar que a imposição, ainda que por um dia, de uma dieta/regime alimentar que, na verdade, representa verdadeira “filosofia de vida”, pela via legislativa, encontra limites no direito à liberdade, expressamente garantido a todos pela Constituição Federal, no “caput” do artigo 5º e intrinsicamente relacionado ao princípio da legalidade, estampado no inciso II do mesmo dispositivo. No caso concreto, considerando que, segundo a doutrina, a lei é o instrumento por excelência do qual dispõe o Estado para garantir e ao mesmo tempo regular a liberdade, exsurge cristalina a violação à regra da proporcionalidade das normas em sentindo estrito.

Não posso deixar de registrar, ademais, que o projeto interfere diretamente nas condições originais de contratação de serviços de nutrição e alimentação, podendo implicar em despesas novas, não previstas no orçamento vigente, daí não ser possível que corram à conta das dotações próprias, como prevê seu artigo 5º. Tal circunstância, sobre configurar impediente de sanção (Constituição Estadual, artigo 25), antecipa a inexequibilidade do projeto, se em lei convertido, ante a ausência de recursos para atendimento dos novos encargos.

Por fim, sem prejuízo do acima exposto, registro que a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, embora contrária à aprovação do projeto lei, esclareceu que a produção agropecuária paulista prima pelos cuidados ambientais, sendo plenamente harmônica e sustentável, e que vem buscando orientar o produtor rural a aumentar a produtividade sem agredir o meio ambiente, havendo diversas iniciativas e programas conduzidos pela Pasta. Relembra que possui, inclusive, unidade própria em sua estrutura, o Centro de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CESANS), além das ações do ConseaSP – Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – capilarizadas por todo o Estado –, de suas publicações e do estímulo à produção e consumo de produtos orgânicos. Destacou, ainda, manifestação prévia do seu Instituto de Zootecnia – IZ, com destaque: (i) à construção dos sistemas produtivos com base em práticas que conectam aspectos produtivos ao bem-estar animal, e (ii) a dedicação da pesquisa científica ao aperfeiçoamento constantemente dos sistemas produtivos, de forma mais sustentável.

Por seu turno, a Secretaria de Desenvolvimento Social, também contrária à obrigatoriedade imposta pela iniciativa, voluntariamente implementou o projeto em parceria com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) e as entidades gestoras das três unidades do “Restaurante Popular Bom Prato” que aderiram à campanha.

Já a Secretaria da Administração Penitenciária noticiou que as Unidades Prisionais a ela subordinadas atendem seus internos no quesito alimentação obedecendo os ditames do Volume 5 do CADTERC [Estudos Técnicos de Serviços Terceirizados (www. cadterc.sp.gov.br)] e Resolução SAMSP nº 16, de 22 de julho de 1998, que permite a substituição da carne por outra proteína, devendo seguir a sua frequência de utilização e que algumas unidades prisionais estão implantando, em caráter experimental, proposta semelhante, intitulada “Um Dia Sem Carne”, sem dia específico para tal.

A Secretaria da Educação informou que está desenvolvendo projeto alimentar a partir da oferta de um cardápio isento de carnes às segundas-feiras, de forma que todas as unidades escolares da rede centralizada (atendidas diretamente pela Pasta) executam neste dia receitas baseadas em arroz, leguminosas, ovos e hortifrutigranjeiros.

Por último, também foi contrária ao projeto a Secretaria do Meio Ambiente, aderindo às razões expostas pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento, não obstante tenha exortado a importância de opções alternativas à proteína animal ou à própria carne e de campanhas permanentes de educação alimentar, a fim de estimular o consumo de carnes que valorizem a produção orgânica e de projetos agroflorestais sustentáveis.

Como visto, este Governo não está insensível ao tema que, de maneira voluntária, moderada e paulatina, vem sendo objeto de adesão em diversas Secretarias, observadas as respectivas peculiaridades.

Fundamentado nestes termos o veto total que oponho ao Projeto de lei nº 87, de 2016, e fazendo-o publicar no Diário Oficial em obediência ao disposto no § 3º do artigo 28 da Constituição do Estado, restituo o assunto ao oportuno reexame dessa ilustre Assembleia.

Reitero a Vossa Excelência os protestos de minha alta consideração.

Geraldo Alckmin

GOVERNADOR DO ESTADO

A Sua Excelência o Senhor Deputado Cauê Macris, Presidente

da Assembleia Legislativa do Estado.

Publicada na Assessoria Técnica da Casa Civil, em 18 de janeiro de 2018.

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